8.11.09

Desde meados dos anos 1960, muitos arquitetos passaram a se dedicar à ação social direta e à projeção da arquitetura como uma forma de arte, e sobre esse último aspecto viu-se uma grande produção de imagens inacessíveis e projeções irrealizáveis. A teoria arquitetônica desse período produziu uma série de modelos que se antecipavam à realidade: dispositivos mecânicos, racionalistas e pré-fabricados que propunham outras formas de viver. A ideologia tecnocrática do designer norte-americano Buckminster Fuller o identificou como o paladino do futuro, e seu maior impacto se deu no Japão, com os metabolistas, e na Inglaterra, com o grupo Archigram.

O Archigram era formado por Peter Cook, Ron Herron, David Greene, Michael Webb, Dennis Crompton e Warren Chalk. Eles se juntaram para publicar uma revista que tratasse de arquitetura e passaram a debater também sobre os tipos de publicação. O resultado foi a revista Archigram, que ganhou esse nome exatamente como síntese das duas coisas que eles se propunham a questionar no momento: ARCHItecture (arquitetura) e teleGRAM (telegrama). A linguagem visual da revista, as montagens, esquemas, referências a histórias em quadrinhos e à propaganda de massa revelam o contexto do mundo do entretenimento da década de 60 e a posição do grupo de questionar o modo como a arquitetura era produzida, representada e ensinada. Montaner aponta essa posição como contraditória: “O mais contraditório do Archigram foi querer expressar a cientificidade dos avanços tecnológicos recorrendo à superficialidade da imagem pop” (MONTANER, 2002)

_ A história do Archigram contada por Peter Cook

O grupo pôs em circulação vários modelos declaradamente utópicos, de formas de ficção científica que se popularizaram devido sobretudo ao seu tom divertido e irônico. A abordagem infra-estrutural, leve e high-tech, legado de Fuller, era um apelo sedutor no imaginário da era espacial de grandes empreendimentos tecnológicos, como o programa da NASA que levaria o homem à Lua em 1969. Os membros do Archigram viam a necessidade de recuperar o espírito pioneiro e de ruptura dos primeiros mestres, especialmente os futuristas italianos. Se a arquitetura mais avançada tecnologicamente se baseava no detalhe construtivo do conjunto, as megaestruturas significaram o delírio, a condição na qual o detalhe estrutural estava sempre presente e se multiplicava como uma malha no espaço. Elas se desenvolveram em uma espécie de território paralelo àquele das arquiteturas construídas, feito de papel, plástico, riscos e letras, atuando sobre um espaço de investigação, que se coloca como outro em relação a um espaço real e construído.

_ Plug-in City - 1964

A produção do Archigram deu-se tanto nessas megaestruturas urbanas, como a Walking City, quanto em células individuais projetadas como “embalagens autônomas”. Frampton aponta um interesse na produção pensada para a sobrevivência num mundo destruído – ao invés de projetos passíveis de serem realizados e apropriados pela sociedade-, fazendo referência à cúpula geodésica projetada por Fuller em 1962 para Manhattan, como um escudo que serviria contra a poluição e abrigo contra uma eventual precipitação radioativa.


_ Cúpula geodésica em Manhattan, projeto de Buckminster Fuller [acima] e o projeto Walking City, do Archigram [abaixo]: estruturas pensadas para garantir a sobrevivência humana



Outra megaestrutura é o projeto da Plug-in City (1964), que consistia numa cidade tentacular, construída a partir de uma mega-estrutura em forma de rede e erguida com produtos pré-fabricados. O espaço urbano se configura como um grande edifício, constituído por elementos arquitetônicos móveis e intercambiáveis que se conectavam em elementos estruturais fixos. As múltiplas partes dessa mega-estrutura se comunicavam entre si através de um sistema de tubulações metálicas que serpenteavam como passarelas por todos os setores.


Essa questão da conexão remete à organização de uma máquina ou de um computador. Segundo Dominique Rouillard, o grupo traduziu para arquitetura a linguagem da informática, em que a o hardware é o instrumento sólido e rígido e os softwares são os instrumentos leves, móveis e intercambiáveis, ou seja, os múltiplos programas que possibilitam desenvolver e criar inúmeros trabalhos nos mais variados setores. Na Plug-in City o que são chamados de softwares são as unidades arquitetônicas, que no caso são móveis e intercambiáveis. O que é chamado de hardware é a estrutura fixa da cidade, o suporte de apoio onde são conectadas as unidades arquitetônicas.


Os edifícios residenciais da Plug-in City eram torres constituídas por cápsulas unitárias conectáveis construídas com materiais pré-fabricados de extrema leveza, como o plástico reforçado e as lâminas de aço. A moradia ou o espaço de morar era visto como um dispositivo para ser levado pelo seu proprietário para onde quer que ele fosse e as cidades eram vistas como maquinarias onde o viajante poderia plugar ou inserir a sua unidade habitacional. Por serem de fácil conexão e desconexão as cápsulas poderiam ser substituídas por novas versões melhoradas e mais eficientes à medida que fossem sendo criadas, num processo contínuo de desenvolvimento tecnológico a serviço do bem estar do homem. A fonte de inspiração se encontrava, sob todos os pontos de vista, nas cápsulas espaciais e nas tecnologias aeroespaciais. O desenvolvimento dessas cápsulas de morar pelo Archigram baseou-se também na Casa Dymaxion, de Fuller, que era uma visão futurista e tecnológica de habitação pensada para ser produzida em série.

_ Cápsulas de morar da Plug-in City


“As formas propostas do Archigram se assemelham às do mundo de ficção científica, como o filme 2001 – Uma odisséia no espaço (1968), de Stanley Kubrick. Em ambos aparecem megaestruturas similares: esqueletos estruturais de alta tecnologia, baseados nas conexões, que potenciavam os fluxos e aos quais se articulavam as habitações individuais, autônomas e intercambiáveis - as cápsulas de morar.” (MONTANER, 2002)
_ 2001 – Uma odisséia no espaço (1968), de Stanley Kubrick

Embora esse modo de se pensar, trabalhar e divulgar a arquitetura pelo Archigram possa ser interpretado como uma tática subversiva, uma crítica às convenções, o próprio Peter Cook declara que o principal no trabalho do Archigram era a investigação de novas possibilidades:
“Dentre os pontos principais da atividade de um arquiteto, quase sempre fará parte a investigação das ‘possibilidades’ de um lugar; em outras palavras, o uso da inventividade do conceito arquitetônico para explorar ao máximo as vantagens oferecidas por um pedaço de terra. No passado, isso teria sido visto como um uso imoral das aptidões de um artista. Hoje, simplesmente faz parte da sofisticação de todo o processo ambiental e de construção, no qual a questão financeira pode converter-se num elemento criativo do design.” (FRAMPTON, 1997)


_ Vídeo - Plug-in City

Referências

BENEVOLO, Leonardo. O Último Capítulo da Arquitetura Moderna. Lisboa, Edições 70. 1997. p. 85-95

FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo, Martins Fontes.1997. p. 341-347

MONTANER, Josep Maria. Las Formas del Siglo XX. Barcelona, Gustavo Gili. 2002. p. 92-94

http://www.archigram.net


http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp231.asp


http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp409.asp